quinta-feira, 17 de maio de 2018

Milícia não é polícia

Por Carlos Guimar
Um levantamento do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro revela que em oito anos as milícias dobraram sua área de atuação no município carioca. De 2010 até hoje, o total de favelas sob o controle de grupos paramilitares aumentou de 41 para 88. O dado é reflexo da forte atuação das milícias que, assim como as facções, se impõem atualmente como uma opção de combate à insegurança frente ao decadente cenário urbano do Rio.

Há quem defenda a presença do grupo como a solução ideal para um basta na desordem urbana carioca, uma vez que o Estado se mostra cada vez mais enfraquecido com suas políticas públicas de mitigação à violência. Mas não é bem assim. Não podemos defender a atuação das milícias simplesmente como uma medida desesperadora de autodefesa cidadã.

O encantamento popular se dá porque as milícias têm uma posição, digamos assim, mais oficial sob os olhos da comunidade. Talvez não é sabido pela grande massa da livre passagem que o grupo tem nos bastidores do poder estatal, com suas equipes compostas por policiais militares aposentados e/ou expulsos, bombeiros e outros profissionais ligados a entidades de proteção civil. Esta mescla de leis próprias com mecanismos estatais cria um poder paralelo, capaz de ganhar o respeito em determinados territórios do estado do Rio de Janeiro, sobretudo, os localizados em áreas periféricas.

Engana-se quem acha que há um cunho puramente social na gestão dos grupos paramilitares nas favelas. Eles até podem garantir mais segurança à comunidade em relação a outros criminosos, como assaltantes e traficantes, mas há um preço a ser pago pelos moradores. As milícias controlam serviços, como a TV a cabo e a distribuição de botijões de gás, bem como cobram taxa aos moradores e comerciantes. Um ato rentável, que despertou o interesse escuso de várias esferas oficiais da sociedade.

O apoio político também tem uma importante presença ao se envolver neste processo em busca de votos nestas regiões mais carentes. Juntando a fome com a vontade de comer, os políticos têm polos eleitorais estabelecidos nessas comunidades, conquistam votos de cabresto e, como forma de agradecimento, o estadista dá proteção aos criminosos.

Talvez isso explique o papel reativo das autoridades competentes para combater as milícias. Houve uma CPI isolada aqui. Algumas operações específicas quando a coisa estava muito gritante ali e, assim, seguiu o baile focando mais em ações contra as facções criminosas, tidas como não oficiais neste caso. Nada mais do que isso.

A cada dia, as milícias estão cada vez mais fortes, com muitas armas e muito dinheiro para financiar a compra de mais estrutura e o silêncio de muitos. Atualmente, mapeia-se, pela Inteligência da Segurança Pública, mais de 200 territórios espalhados por todo o Estado, onde já se falam de uma milícia pura, formada somente por agentes públicos, e de uma milícia mesclada, em que já houve o recrutamento e a junção de traficantes. Nesta última, se juntou também os modelos de captação de recursos, por meio de pedágios ilegais e do tráfico de armas e drogas.

Por isso, pense duas vezes ao defender a presença de grupos paramilitares no quadro de intervenção do Rio de Janeiro. Não sejamos vítimas da nossa afoita ignorância, mesmo vivendo em tempos vulneráveis de violência. Milícia não é polícia.

* Carlos Guimar é gerente de segurança corporativa da ICTS Security, empresa de consultoria e gerenciamento de operações em segurança, de origem israelense.

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