Nota técnica de organizações da sociedade civil em repúdio ao
PL nº 8.107/2017 1 O que é o projeto de lei No final de 2016, em uma barganha
política com o Congresso Nacional, o governo do presidente Michel Temer propôs
a MP 756 que reduzia a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim, no Pará,
destinada ao uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e à pesquisa
científica. A justificativa era regularizar ocupantes antigos, mas, na prática,
servia também para acomodar grandes invasores de terra na Unidade de
Conservação.
A MP foi alterada durante sua tramitação no Legislativo,
tendo como saldo final a transformação de 486 mil hectares da Flona em Área de
Proteção Ambiental (APA). Tal mudança provocou grande reação da sociedade
brasileira e da comunidade internacional.
A APA é a categoria de Unidade de Conservação mais flexível
quanto ao uso do solo, podendo abrigar propriedades privadas e atividades
agropecuárias, e a alteração elevaria o risco de mais desmatamento na região.
Felizmente a MP 756 não prosperou. Em um ato político anterior à viagem do
presidente Temer à Noruega – maior financiador da conservação da Amazônia – a
MP foi vetada.
O veto gerou inúmeros protestos contrários na região sob a
influência da Flona do Jamanxim. Carros do Ibama foram incendiados, rodovias
foram bloqueadas e houve passeatas nas cidades. A única resposta do governo foi
premiar os invasores: o Planalto editou um Projeto de Lei (nº. 8.107/2017)1 que
retoma a proposta de reduzir a Flona. Agora, a área a ser transferida para a
categoria de APA é ainda maior. Na MP a redução era de 305 mil hectares,
enquanto no PL é de 354 mil hectares. Uma vez iniciada a tramitação do projeto,
ele poderá, assim como aconteceu com a MP 756, ser totalmente alterado para
beneficiar ao máximo os ocupantes ilegais de terras públicas da região e
aumentar substancialmente o desmatamento.
A redução da Flona do Jamanxim faz parte de uma estratégia
mais ampla de desmonte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC,
e da legislação ambiental como um todo. De acordo com o dossiê Unidades de
Conservação sob Risco, produzido pelo Fundo Mundial para a Natureza -
WWF-Brasil2 , as áreas protegidas passam por um desmanche promovido pelo
governo federal, Congresso Nacional e as Assembleias Legislativas. Incluindo a
redução da Flona do Jamanxim, cerca de 80 mil quilômetros quadrados em áreas
protegidas federais e estaduais estão ameaçados por redução ou mudança de
categoria – como transformar Flona ou Parque (categorias de maior proteção) em
APA (categoria de menor proteção).
1 Projeto de
Lei disponível em:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2145333
2 WWF, 2017.
Unidades de Conservação sob risco. Disponível em:
Quem são os beneficiados A alteração dos limites não
atenderia apenas a ocupações antigas de posseiros, mas principalmente grandes
ocupantes ilegais, que ocuparam a área de má fé. Segundo o ICMBio, 67% dos
ocupantes da Flona chegaram durante ou após o processo de criação. Para
contemplar as ocupações estabelecidas antes da criação da Flona, seria preciso desafetar
uma área de apenas 77 mil hectares3 , ou seja, 5 vezes menor que os 354 mil
hectares propostos por Temer.
A região da Flona é historicamente marcada pela ação de
grileiros. Um dos grileiros que seriam beneficiados com a criação da APA foi
alvo da “Operação Castanheira”, conduzida pelo Ministério Público Federal,
Ibama e Polícia Federal (Operação Castanheira) em 2014. Não procede a
justificativa de que a redução da área atenderia a pequenos produtores.
O tamanho médio das áreas requeridas para a regularização é
de 1.700 hectares, ou seja, quase 23 vezes o que seria um lote de 75 hectares
que caracteriza uma propriedade da agricultura familiar naquela região. 3 Quais
impactos negativos 3.1 Desmatamento e emissões A Flona do Jamanxim foi a
Unidade de Conservação mais desmatada entre 2012 e 20154 . Até meados de 2017,
em torno de 12% de sua área original já havia sido convertida. Ao invés de
resolver os conflitos e seguir com o objetivo de conservação da área – como
aponta a justificativa do PL –, haverá mais desmatamento e acirramento de
conflitos agrários. Um estudo5 do Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon) avaliou o desmatamento em 10 Unidades de Conservação cinco
anos antes e depois da desafetação.
O resultado mostrou que, após a alteração dos limites, o
desmatamento nas áreas foi 1.116% maior do que nas porções que seguiram
protegidas. Uma projeção do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)
demonstra que a situação não será diferente na nova APA do Jamanxim. A análise
mostra que o desmatamento na região pode mais que dobrar até 2030, com corte
extra de 138 mil hectares (Figura 1) e uma emissão de 67 milhões de toneladas
de gás carbônico6 . 3 ICMBio, 2016. Nota técnica nº2/2016. Alteração dos
limites da Floresta Nacional do Jamanxim. Disponível em:
http://www.oeco.org.br/wp-content/uploads/2017/02/SEI-_-ICMBio-0747143-Nota-T%C3%A9cnica-_.pdf
4 Elis Araújo.et al. 2017.
Unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia Legal
2012- 2015 – Belém, PA: Imazon, 5 Martins, H., Araújo, E., Vedoveto, M.,
Monteiro, D., & Barreto, P. 2014. Desmatamento em Áreas Protegidas
Reduzidas na Amazônia (p. 20). Belém: Imazon. 6 IPAM. 2017. Premiando a
grilagem na Amazônia: Jamanxim pode ser só o começo. Notícia. 14/07/2017.
Disponível em:
http://ipam.org.br/premiando-a-grilagem-na-amazonia-jamanxim-pode-ser-so-o-comeco/
Figura 1.
Desmatamento na Flona do Jamanxim, atual e projetado para o
ano de 2030. O desmatamento em vermelho claro refere-se à aplicação do cenário
de desmatamento na ausência de proteção da área (IPAM 2017) No médio e longo
prazos essa alteração na cobertura florestal poderá contribuir para uma mudança
não somente do clima global, mas especialmente do clima local. Por conta do
desmatamento, a diminuição da cobertura florestal, que age como regador e ar
condicionado, poderá tornar os períodos de estiagem na região mais severos e
prolongados. Algo que já foi cientificamente observado e já está ocorrendo em
outras regiões da Amazônia, como no alto Rio Xingu7 . 3.2 Subsídios para grileiros,
Conforme levantamento do Imazon, o PL representa um subsídio de pelo menos meio
bilhão de reais a grileiros. O cálculo avaliou quanto os posseiros ganhariam
com a transformação de parte da Flona do Jamanxim em APA e na regularização
fundiária da área segundo as novas regras da Lei de conversão da
recém-sancionada MP da Grilagem (Lei nº. 13.465/2017). 7 Brando, et al. 2014.
PNAS 111:6347-6352;. Silvério, D.V.
Alterações na estrutura e funcionamento de florestas
transicionais da Amazônia associada à degradação florestal e transições de uso
da terra. Tese de doutorado/UnB, 2015 O valor médio de mercado para um hectare
de pasto no município de Novo Progresso é de R$ 1.800,00. Na planilha de preços
referenciais para titulação do Incra, o valor mínimo da terra nua em Novo
Progresso é de R$ 672,00.
Segundo o art.17, §5º da Lei nº. 13.465, será cobrado de 10%
a 50% da pauta de valores da terra nua do Incra. Considerando esses percentuais
e a área total que será reduzida (em torno de 350 mil hectares), os posseiros
receberiam um subsídio entre R$ 605 milhões (96% do valor de mercado) e R$ 511
milhões (81% do valor de mercado) em comparação com o valor de mercado das
terras (Figura 2). Figura 2.
Estimativa do subsídio aos posseiros em caso de venda das
áreas em comparação com o valor do mercado de terra na região de Novo Progresso
3.3 Desmoralizado da política pública Dentro dos 354 mil hectares, há
ocorrência de 312 embargos8 ambientais, que em área correspondem a
aproximadamente 56 mil hectares ou 16% do total da APA proposta (Figura 3).
Ao conceder a possibilidade de regularização fundiária dessas
áreas, o estado brasileiro desmoraliza ainda mais a própria política pública de
controle do desmatamento, premiando com terra aqueles que cometeram crimes
ambientais, além de desmoralizar o próprio governo, que edita um projeto de lei
para atender aos interesses do mesmo grupo que colocou fogo em caminhonetes do
Ibama, vandalizando o patrimônio público. 8 Lista de embargos disponível para
download em:
628.200.000 23.452.800 117.264.000 0 604.747.200 510.936.000
Valor de mercado 10% do valor da tabela do Incra 50% do valor da tabela do
Incra Valor a ser pago Subsído ao posseiro Figura 3. Áreas embargadas dentro da
parcela a ser transformada em APA de acordo com o PL nº 8.107/2017 Reduzir a
proteção na Flona do Jamanxim reforça ainda mais a sensação de que o crime
compensa. A alteração dos limites também abre espaço para novas demandas
relacionadas à redução de outras áreas protegidas – por exemplo, as Unidades de
Conservação no sul do Amazonas (parlamentares do estado chegaram a negociar com
a Casa Civil a redução de 40% na área total de quatro Unidades de Conservação e
a extinção de uma UC). Nessas áreas, o desmatamento é praticamente zero.
No entanto, as unidades já sofrem com a pressão do entorno,
como mostrou a investigação do Greenpeace realizada no início de 20179 . A
alteração dos limites se junta a outras medidas lançadas por Temer que
desmontam todo o trabalho realizado nos últimos dez anos para conter o aumento
do desmatamento na Amazônia (de 27.772 km² em 2004 para 4.571 km² em 2012). 3.4
Perdas de reputação e boicote a produtos agropecuários Ao reduzir a proteção
legal de florestas o Brasil enfraquece sua reputação, pois vai contra sua
própria política de redução do desmatamento. O sucesso dessa redução foi base
de acordos para apoio internacional para a conservação no país. O desmanche das
políticas e o aumento 9 Greenpeace. 2017. Sinal verde para a destruição da
Amazônia. Noticia. 02/03/2017. Disponível em:
do desmatamento tende a reduzir esse apoio. Por exemplo, a
Noruega declarou que terá de reduzir o apoio à conservação no país por causa do
aumento do desmatamento, conforme estabelecem as regras do Fundo Amazônia
criado pelo Brasil. Em breve o país poderá sofrer também mais boicotes de
produtos agropecuários associados ao desmatamento. Diversos países, empresas e
compromissos internacionais já adotaram como meta o desmatamento zero. Um
exemplo relevante é a França, que acaba de anunciar nova política cuja meta é
não importar produtos que tenham envolvimento com o desmatamento, principalmente
da Amazônia.
4 Demanda para que Congresso não aprove o PL Pelos motivos
acima apresentados e por ser possível produzir sem aumentar o desmatamento,
repudiamos o PL apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional e
pedimos, como representantes da sociedade civil, a sua rejeição. Qualquer
redução dos limites acarretará em mais conflitos na região e também em mais
desmatamento, que por sua vez coloca em risco o futuro econômico do Brasil e o
futuro climático da região. 27 de julho de 2017 Signatários:
Greenpeace Brasil Instituto Centro de Vida (ICV) Instituto de
Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) Instituto de Pesquisa
Ambiental da Amazônia (IPAM) Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) Instituto Socioambiental (ISA) WWF-Brasil
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