Se
a ofensa pessoal for proporcional à “extrema gravidade dos fatos notórios” de
que o ofendido é acusado, não há crime contra honra, ainda que os comentários
atinjam “diretamente seus atributos pessoais”. Foi o que decidiu o juiz José
Zoéga Coelho, do Juizado Especial Criminal do Fórum Central de São Paulo,
ao absolver a blogueira Joice Hasselmann da acusação de
difamação por ter chamado o ex-presidente Lula de “ladrão” e de “corrupto” em
vídeos publicados na internet.
Zoéga
Coelho explica sua decisão. Segundo ele, a população brasileira está
insatisfeita com a administração pública federal desde junho de 2013, quando
foi às ruas em São Paulo protestar contra o aumento das passagens de ônibus na
cidade. Essa insatisfação só cresceu até atingir o ápice em 2016, quando a
presidente Dilma Rousseff, também do PT, foi deposta num processo de impeachment.De
acordo com o juiz, embora o comentário de Joice tenha sido “sobremodo duro” e
tenha ido “além da crítica aos atos” de Lula, “a evidente gravidade dos dizeres
dirigidos ao Querelante mostra-se, no entanto, francamente proporcional à
extrema gravidade dos fatos notórios, que ao tempo publicação no blog já eram
de amplo conhecimento público”. “Diante dos fortes indícios de existência de
corrupção no governo federal, em proporções nunca antes vistas, não seria
possível esperar uma reação por parte da opinião pública (e consequentemente,
também da imprensa) que não fosse de absoluta reprovação e revolta.”
Somado a tudo isso, diz o juiz, estão os
fatos imputados a Lula pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal
na operação “lava jato”, que investiga corrupção na Petrobras, e “à rápida
deterioração econômica”. “Não se cogita aqui da veracidade ou falsidade das
acusações que pesam sobre diversos agentes políticos”, diz o magistrado, “mas
da existência de fatos absolutamente notórios e amplamente divulgados pela
imprensa, configurando elementos indiciários robustos da malversação de
recursos públicos na ordem de bilhões de Reais”.
Portanto, nada mais natural que a reação
da “opinição pública” e, por consequência, de Joice Hasselmann, tenha sido tão
feroz. “A proporcionalidade entre os duros termos em que externada a crítica e
a gravidade dos fatos em que ditas críticas se ampararam, a meu sentir
demonstra que a Querelada não extrapolou os limites do regular exercício da
liberdade de imprensa. E tanto assim é que não terá sido a Querelada quem
primeiro proferiu as palavras que o Querelante reputa ofensivas à sua honra.”
Zoéga Coelho também afirma que, como
Lula foi presidente da República, deve ser mais tolerante com as críticas que
recebe, ainda que elas sejam ofensivas e à sua pessoa. “Como credibilidade e
confiança são ingredientes indissociáveis da representação política, ficam
sujeitos à toda crítica pública não só os atos de governo e administração, mas
também todas as opiniões do titular ou postulante a cargo eletivo e, ao fim e
ao cabo, também todos os atributos profissionais, intelectuais e éticos do
mandatário”, escreveu na sentença.
“Ainda que assim não fosse, a conduta
imputada à Querelada não poderia ser vista como revestida do necessário dolo
específico, antes refletindo e repercutindo igual crítica, já disseminada na
sociedade e meios de comunicação social, ao tempo dos fatos.”
Processo 0090009-33.2015.8.26.0050
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